terça-feira, 5 de abril de 2011

CF- 2011 - O lugar do ser humano na criação


1.2. O lugar do ser humano na criação

107. O salmista, logo após indagar sobre o que é o ser humano, afirma, “o fizeste só um pouco menor que um deus, de glória e honra o coroaste” (Sl 8, 6). Dessa forma, indica que o ser humano foi criado de modo especialíssimo no reino da criação porque, mesmo sendo um ser integrante da natureza, a transcende, e essa transcendência, embora não tire do ser humano sua condição natural, traz outras implicações que dão sentido à natureza e gera responsabilidades em relação a ela. O primeiro relato da criação, no livro do Gênesis, expressa esta condição humana com a afirmação de que “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou” (Gn 1, 27).

108. Em um dos Documentos referenciais do Concílio Ecumênico Vaticano II, encontramos a seguinte interpretação dessa afirmação, “o homem foi criado à ‘imagem e semelhança de Deus’, capaz de conhecer e amar o seu criador, e por este constituído senhor de todas as criaturas terrenas, para as dominar e delas se servir, dando glória a Deus”[4]. O documento conciliar entende que o homem se encontra no centro da criação, inclusive utiliza o verbo dominar para caracterizar as suas relações com os demais seres da natureza. No entanto, o entende como um ser de relações, “Deus não criou o homem sozinho”, e “o homem por sua própria natureza, é um ser social”[5], e consequentemente, chamado à cooperação e à solidariedade para com seus irmãos e para e para com os seres da natureza. Pois, o texto diz para dominar e se servir das criaturas, dando glória a Deus, o que não é compatível com a atitude de um déspota que utiliza os bens da natureza até o seu esgotamento, provocando somente morte em relação aos seres da natureza. Certamente, esta leitura pode ser realizada, mesmo que na época da realização do Concílio as preocupações ecológicas fossem apenas incipientes.

109. Visando esclarecer ainda o entendimento desta concessão para que o homem domine, dada a singularidade de seu ser, imagem de Deus, outro verbo desta narrativa merece ser mencionado e analisado, é mashal (governar, presidir), que aparece em Gn 1, 16-18. Este verbo é utilizado para descrever um domínio como o exercido pelos astros que receberam a incumbência de presidir sobre o dia e a noite, marcando o ritmo da vida. Assim sendo, o ser humano é responsável pela vida, bem estar e integridade daqueles que estão sob seu domínio. O homem e a mulher, criaturas do sexto dia, imagem e semelhança de Deus, têm responsabilidades: diante da natureza, do semelhante e diante do criador[6]. De modo, que esta singularidade observada na criação do homem e da mulher quer dizer que foram chamados à vida, ao cuidado do que a ela se refere, e a trabalhar em prol da manutenção da obra do Criador.

110. As realizações humanas, assim como suas construções e até mesmo sua procriação, devem contribuir para que este objetivo seja atingido, e dar continuidade à obra de Deus. E tendo em vista esta responsabilidade conferida ao ser humano, é oportuno recolocar uma pergunta que o saudoso Papa João Paulo II inseriu em um de seus escritos, “Todas as conquistas alcançadas até agora, bem como as que estão projetadas pela técnica para o futuro, estão de acordo com o progresso moral e espiritual do homem?”[7]. E suas preocupações ao estender seu olhar para aquele momento histórico, o fez continuar com suas indagações, “Crescem verdadeiramente nos homens, entre os homens, o amor social, o respeito pelos direitos de outrem...ou, pelo contrário, crescem os egoísmos... a tendência para dominar os outros, para além dos próprios e legítimos direitos e méritos, e a tendência para desfrutar de todo o progresso material e técnico-produtivo exclusivamente para o fim de predominar sobre os outros, ou em favor deste ou daquele outro imperialismo?”[8]. Os problemas levantados por estas interrogações se encontram entre os motivos da atual crise ecológica que coloca em risco a vida no planeta.

Fonte: Texto Base da CF 2011

Postado por Laércio












Nenhum comentário:

Postar um comentário